Entrevista: Fernando Gonçalves

Por: Edson A. Gurtat

Conversei com piloto Fernando Gonçalves Coelho JR., professor de direito aeronáutico, membro da Sociedade Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e mestre em direito internacional.

Gurtat: Como analisar esta grande catástrofe para a aviação brasileira?

FERNANDO: Uma vergonha nacional. A queda do Boeing-737 da GOL (2006) alertou todos os especialistas do setor para a crise do nosso SAC (Sistema de Aviação Civil). Em várias oportunidades alertamos para o risco de se operar em Congonhas, dentre outros. Mas as autoridades do setor carecem de humildade e competência para gerir o transporte aéreo brasileiro.

Gurtat: Foi uma irresponsabilidade a INFRAERO ter liberado a pista naquela condição?

FERNANDO: Certamente a INFRAERO teve responsabilidade direta no desastre do Airbus da TAM. E ela sabia que isso poderia ocorrer com qualquer outra aeronave. Antes disso, um B-737 da BRA quase alcançou uma movimentada avenida ao entorno do aeroporto paulista e, um dia antes do acidente da TAM, um ATR da Pantanal Linhas Aéreas derrapou da pista por causa de uma hidroplanagem ocorrida na aterrissagem.

Gurtat: Se fosse você o piloto daquele vôo, qual teria sido sua reação?

FERNANDO: Depois do acidente, todos dizem que procederiam de determinada maneira, criando soluções mágicas. Na realidade, qualquer um poderia ter morrido naquela oportunidade. Os dois comandantes da TAM tinham juntos cerca de 30 mil horas de vôo, portanto extremamente experientes. Se a pista fosse maior, certamente os tripulantes teriam mais condições (de espaço e tempo) para tentar parar a aeronave ou, se necessário, arremeter (decolar novamente).

Gurtat: E a culpa?

FERNANDO: Parte da mídia atribui a culpa aos pilotos. Mas isso é uma inverdade. O reverso não é crucial para frear uma aeronave, ela deve parar em função de seus freios hidráulicos com total segurança. A ausência de ranhuras na pista foi evidenciada em várias hidroplanagens ocorridas em Congonhas, ela oferece uma segurança ímpar na frenagem de aviões de médio de grande porte. Quem não é da área tem certa dificuldade de acreditar que uma aeronave do porte do A-320 possa escorregar sobre a água. Mas a aquaplanagem pode acontecer com aviões de qualquer tamanho. Infelizmente é mais fácil responsabilizar os pilotos, que não podem se defender mais, do que localizar os reais motivos do desastre.

Noutro vértice, sabemos que o Governo Federal tem envolvimento direto com o ocorrido e, da mesma forma, temos ciência de que ele proporcionou o caos em que se encontra nossos céus. Desde o advento da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil, especialistas foram substituídos por ativistas políticos. Tiraram o DAC - Departamento de Aviação Civil - órgão que gerenciou nosso SAC em níveis europeus por mais de seis décadas - e implantaram uma agência que nada regula. Em apenas um ano e meio de existência, a ANAC praticamente rebaixou nosso nível de segurança aéreo para níveis próximos dos africanos. Concomitantemente, a INFRAERO se encontra em situação semelhante, com uma crise institucional sem precedentes, maculada pela distribuição de cargos e denúncias de corrupção. Conforme dados do TCU - Tribunal de Contas da União, tais instituições não repassaram cerca de 522 milhões de reais para reformas de pistas, manutenção de radares, etc. Esse contingenciamento de gastos foi justificado (pelo Gov. Federal) para ajudar o aumento do superávit primário. Ou seja, conforme o raciocínio dos nossos governantes, perdem-se vidas, mas não o dinheiro.

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